Mestiço de polaco com negra, Paulo Leminski nasceu na cidade de Curitiba, Paraná, em 24 de agosto de 1944. Desde os 18 anos, aproximadamente, esteve envolvido com a literatura, participando de congressos e concursos em todo o Brasil. Casou-se com a consagrada poetisa Alice Ruiz, com quem teve duas filhas. Além de poeta e prosista, Leminski era também tradutor (traduziu para o espanhol e o inglês trechos de sua obra Catatau, o qual foi traduzido na íntegra para o espanhol), como também compositor e letrista, tendo músicas gravadas por Caetano Veloso, Paulinho Boca de Cantor, A Cor do Som e Moraes Moreira. Paulo Leminski morreu em 07 de junho de 1989
O paranaense Paulo Leminski nasceu em 24 de agosto de 1944, em Curitiba, onde passou toda sua vida. Desde muito cedo, Leminski inventou um jeito próprio de escrever poesia, preferindo poemas breves, muitas vezes fazendo haicais (poema japonês de três versos), trocadilhos, ou brincando com ditados populares. Aos 20 anos, publicou seus primeiros poemas na revista Invenção. Casou-se em 1968 com a poeta Alice Ruiz com quem teve as filhas Áurea Alice e Estrela e o filho Miguel Ângelo.
Na década de 70, teve poemas e textos publicados em diversas revistas de sua cidade natal - como Corpo Estranho, Muda Código, Raposa - e lançou o seu ousado Catatau, que denominou "prosa experimental", em edição particular.
Em 1983, o poeta passou a publicar pela editora Brasiliense, o que o fez conhecer o sucesso. Passou, então, a colaborar no Folhetim do jornal Folha de S. Paulo, a resenhar livros de poesia para a revista Veja e a participar do Jornal de Vanguarda da TV Bandeirantes. Como compositor, teve músicas gravadas por Caetano Veloso, Paulinho Boca de Cantor, Itamar Assumpção, Ney Matogrosso, por grupos como A cor do Som e Blindagem, e parcerias com Moraes Moreira.
Paulo Leminski foi também faixa-preta e professor de judô, poliglota e tradutor, professor de história e de redação em cursos pré-vestibulares, diretor de criação e redator de publicidade. Para o público infanto-juvenil escreveu em 1986, Guerra dentro da gente e, em 1989, A lua foi ao cinema.
O poeta morreu no dia 7 de junho de 1989. Em sua homenagem, foi inaugurado o Espaço Cultural Paulo Leminski, teatro multimídia ao ar livre, na antiga pedreira municipal de Curitiba, no mesmo ano. Conheça mais sobre o poeta no site:
Na década de 70, teve poemas e textos publicados em diversas revistas de sua cidade natal - como Corpo Estranho, Muda Código, Raposa - e lançou o seu ousado Catatau, que denominou "prosa experimental", em edição particular.
Em 1983, o poeta passou a publicar pela editora Brasiliense, o que o fez conhecer o sucesso. Passou, então, a colaborar no Folhetim do jornal Folha de S. Paulo, a resenhar livros de poesia para a revista Veja e a participar do Jornal de Vanguarda da TV Bandeirantes. Como compositor, teve músicas gravadas por Caetano Veloso, Paulinho Boca de Cantor, Itamar Assumpção, Ney Matogrosso, por grupos como A cor do Som e Blindagem, e parcerias com Moraes Moreira.
Paulo Leminski foi também faixa-preta e professor de judô, poliglota e tradutor, professor de história e de redação em cursos pré-vestibulares, diretor de criação e redator de publicidade. Para o público infanto-juvenil escreveu em 1986, Guerra dentro da gente e, em 1989, A lua foi ao cinema.
O poeta morreu no dia 7 de junho de 1989. Em sua homenagem, foi inaugurado o Espaço Cultural Paulo Leminski, teatro multimídia ao ar livre, na antiga pedreira municipal de Curitiba, no mesmo ano. Conheça mais sobre o poeta no site:
Ensaio sobre Leminski
dor e rigor em seus últimos poemas.
Em La Vie en Close o poeta sinaliza a contagem regressiva de sua própria vida. Sinais evidentes deixados também num bilhete-testamento, que o JT publica com exclusividade.
O poeta Paulo Leminski sabia que tinha pouco tempo de vida. E foi ao encontro da morte com a mesma vitalidade demonstrada em toda a sua obra. Essas são constatações evidentes no livro La Vie en Close — que deixou organizado e que chega às livrarias no inicio de abril, pela Brasiliense — e em um bilhete redigido no final de 1988.
Oito ou nove meses antes de sua morte (ocorrida em junho de 89), o poeta sofreu uma violenta crise hepática, fruto de uma cirrose que há alguns anos comprometia-lhe o fígado. Na época, outubro ou novembro de 88, escreveu um breve bilhete-testamento (que o JT divulga pela primeira vez no Brasil). Boêmio assumido, irreverente, imprevisível, procurou dar um significado maior ao próprio desaparecimento. o documento é cristalino: "Este pode ser meu último texto. Talvez eu repita o destino de Fernando Pessoa, aos 44 anos e do mesmo mal. Nunca estive interessado em envelhecer, eu que sempre amei a juventude. Quero repousar em Curitiba, ao som dos Beatles, com meu kimono de faixa preta. Saio da embriaguez de viver para o sonho de outras esferas." (trecho omitido na matéria original: "Alice: por toda uma vida. Ana: obrigado pela vida que você me deu. Fortuna: você foi demais pra mim. Áurea, Estrela: vou amar vocês até o fim e depois.").
Quando escreveu este texto, morava em São Paulo, no apartamento de uma amiga, a cantora Fortuna. Estava separado da poeta Alice Ruiz, com quem foi casado durante 20 anos. Apesar do susto, conseguiu se recuperar retornou a Curitiba sua cidade natal e onde morou quase toda a sua vida. Nos últimos meses com a Cineasta Berenice Mendes. Mas continuou a beber. O físico de judoca faixa-preta ajudou a disfarçar o quadro crítico de seu mal. Amigos que estiveram com ele até uma semana antes da sua morte, como Arrigo Barnabé e Guilherme Arantes, disseram que seu estado de saúde parecia excelente. A notícia que correu o Brasil no dia 7 de junho de 89 surpreendeu até mesmo os amigos mais íntimos. Ele parecia forte, apaixonado pela vida — como sempre foi — e cheio de planos.
Com o lançamento de La Vie en Close, as evidências saltam aos olhos: Leminski demarcou com extrema coragem e lucidez a contagem regressiva de sua própria vida. Vários poemas estão carregados de pistas, algumas diretas, outras camufladas. É o caso de "Dor Elegante", transformado em música por Itamar Assumpção. Na última estrofe, o bom humor de grande parte de sua poesia veste-se com uma lapidar mudança de tom: "ópios, édens, analgésicos/ não me toquem nessa dor/ ela é tudo o que me sobra/ sofrer vai ser a minha última obra."
Afora o próprio título do livro, trocadilho auto-referente com a famosa canção eternizada na voz de Edith Piaf, o poeta há anos vinha preparando um terreno conceitual para seu desaparecimento precoce. Não foi por simples motivos financeiros — como alegaram críticos emburrados — que traduziu Sol & Aço, de Yukio Mishima, em 85. Como o samurai japonês, Leminski disse um sonoro não à mediocridade e às misérias do cotidiano dos dias atuais.
— Ele chegou a verbalizar pra mim que tinha escolhido esse caminho. Ele disse no Natal de 88 que o destino dele era o mesmo de Mishima. Não sei exatamente se a tradução de Sol & Aço induziu. Acho que deu um fundamento, uma estética. O livro do Mishima é uma apologia ao suicídio honroso. Paulo transformava tudo em evento, em signo diz Alice Ruiz, mãe das duas filhas do poeta, Áurea e Estrela.
Fabbro furioso
Leminski não chegou ao ato extremo como o próprio Yukio Mishima, ou como Torquato Neto, Iessiênin ou Maiakovski. Mas não há exagero nenhum em comparar sua trajetória vigorosa com a de Jimi Hendrix, Janis Joplin ou Jim Morrison. Erudito, culto, poliglota, não passou incólume, no entanto, à geração rebelde e furiosa dos anos 60.
"Nós somos de uma geração que sonhou muito alto. Em algum momento, acreditamos que realmente pudéssemos mudar o mundo", atesta Alice Ruiz, num depoimento emocionado. "Hendrix, Janis Joplin, eram pessoas que pareciam ter muita pressa realmente. O Paulo não morreu no auge dos seus 20 anos, mas no auge dos 40. Morreu no ponto máximo, no apogeu".
O próprio poeta orgulhava-se das canções que tinha composto, muitas transformadas em verdadeiros clássicos na voz de Caetano Veloso, Itamar Assumpção, Moraes Moreira ou Ney Matogrosso. Orgulhava-se também de pertencer à geração que pretendeu "derrubar as estantes, as estátuas, as vidraças". Por outro lado, cultivava um profundo rigor herdado da poesia concreta e da familiaridade com os monumentos literários da humanidade, de Ovídio a James Joyce. Poetas de primeira grandeza, como Haroldo de Campos, perceberam rapidamente a peculiar originalidade de sua poesia: o hábil artesanato aliado à loucura, à urgência e à rebeldia da geração de um Frank Zappa ou de um Rolling Stones.
Fabbro furioso
Leminski não chegou ao ato extremo como o próprio Yukio Mishima, ou como Torquato Neto, Iessiênin ou Maiakovski. Mas não há exagero nenhum em comparar sua trajetória vigorosa com a de Jimi Hendrix, Janis Joplin ou Jim Morrison. Erudito, culto, poliglota, não passou incólume, no entanto, à geração rebelde e furiosa dos anos 60.
"Nós somos de uma geração que sonhou muito alto. Em algum momento, acreditamos que realmente pudéssemos mudar o mundo", atesta Alice Ruiz, num depoimento emocionado. "Hendrix, Janis Joplin, eram pessoas que pareciam ter muita pressa realmente. O Paulo não morreu no auge dos seus 20 anos, mas no auge dos 40. Morreu no ponto máximo, no apogeu".
O próprio poeta orgulhava-se das canções que tinha composto, muitas transformadas em verdadeiros clássicos na voz de Caetano Veloso, Itamar Assumpção, Moraes Moreira ou Ney Matogrosso. Orgulhava-se também de pertencer à geração que pretendeu "derrubar as estantes, as estátuas, as vidraças". Por outro lado, cultivava um profundo rigor herdado da poesia concreta e da familiaridade com os monumentos literários da humanidade, de Ovídio a James Joyce. Poetas de primeira grandeza, como Haroldo de Campos, perceberam rapidamente a peculiar originalidade de sua poesia: o hábil artesanato aliado à loucura, à urgência e à rebeldia da geração de um Frank Zappa ou de um Rolling Stones.
Segundo Alice Ruiz, a paixão pela juventude e ao mesmo tempo as antenas conectadas com textos de ruptura acompanharam a trajetória de Paulo Leminski desde o início. Catatau, o primeiro livro publicado, ainda nos anos 70, só encontra paralelos nacionais no Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa ou nas Galáxias, de Haroldo de Campos, conforme o crítico Leo Gilson Ribeiro escreveu. Mas nesta própria prosa repleta de abismos e armadilhas verbais, o germe diferencial já estava alojado. No livro, René Descartes tenta compreender o Brasil. Em uma mão, uma luneta. Na outra, um cachimbo recheado com maconha.
— Quando conheci o Paulo, ele já tinha cabelos compridos. Mas já era um cara culto, erudito, só falava de Homero, Ovídio, Pound, Joyce, Rimbaud. Era um clássico aos 20 anos e um Rolling Stone aos 40. Na realidade ele foi se tornando cada vez mais jovem. Tinha uma irresponsabilidade total da juventude, aos 40 anos — relembra Alice.
A vida se fechando
O rolo compressor da mesquinha sobrevivência nos dias atuais — ele dizia que os artistas são especialmente vulneráveis a isso —, juntamente com alguns baques pessoais, talvez tenha abalado o poeta com uma intensidade maior do que aparentava. Ele mesmo chegou a escrever em um poema que estava se tornando mestre em disfarces. Jamais comentou em público, ou mesmo a amigos próximos, a morte do filho Miguel, aos 9 anos, vítima de um tumor cerebral. Também disfarçou o suicídio do irmão, Pedro. Se ainda estivesse vivo, talvez até se indignasse com a divulgação dessas cicatrizes. "Ele não elaborou a perda do Miguel. Ninguém está preparado para perder um filho" - comenta Alice, emocionada. "Paulo sempre teve uma vitalidade, uma paixão pela vida impressionante. Mas a primeira vez que ele falou em 'pedir a conta' — foi esse o termo que usou — foi no enterro do irmão dele, em dezembro de 86. Talvez todas as pessoas que vão fundo num plano, como o Paulo foi no plano intelectual, acabam descuidando de outros. Ele procurou negar essas perdas
No livro La Vie en Close e em outro volume que deixou parcialmente organizado, O ex-estranho (além desses, deixou Winterverno, um álbum de haikais e desenhos, em parceria com João Virmond Suplicy, e O Gozo Fabuloso, um volume de contos), Leminski abriu a barragem dessas águas turvas em mais de uma dezena de poemas, jamais esquecendo o rigor formal de verdadeiro fabbro, característico em sua obra. Os disfarces tornaram-se poesia de alta voltagem. "Acho o La Vie en Close o melhor livro de poemas do Paulo. É o mais denso, o mais intenso. Ele escancarou todo um lado emocional contido durante toda a sua vida. Fez isso com o rigor que sempre teve. Mas é um livro de um período quando nada mais importa", afirma Alice. "O próprio titulo deste livro é fantástico. Ao mesmo tempo que é a vida que se fecha, é também a vida que se amplia. O close é a aproximação máxima".
Famoso, respeitado, dono de um enorme prestígio, Paulo Leminski realmente ampliou-se ao limite máximo e partiu em direção ao "sonho de outras esferas". Viveu com a intensidade de um samurai zen budista e construiu uma obra seguramente inscrita definitivamente na pele da prosa e da poesia brasileira. Poeta inovador, polemista irreverente, agitador imantado e — fatalidade inquestionável — humano, atingiu uma luminosidade extrema, como ele mesmo escreveu no poema "Sintonia para pressa e presságio": "Eis a voz, eis o deus, eis a fala,/ eis que a luz se acendeu na casa/ e não cabe mais na sala".
Ademir Assunção
*OBS.: texto publicado originalmente no caderno Artes e Espetáculos do Jornal da Tarde. São Paulo, 29/3/1991.