domingo, 11 de dezembro de 2011

"Tão humano assim, só podia ser Deus”


“Tão humano assim, só podia ser Deus”: a frase é de Fernando Pessoa, referindo-se a Jesus, um Deus que mergulha em nossa humanidade e convida-nos a participar da sua divindade.
Santa Adélia Prado, num de seus poemas, fala que há em nós uma “orfandade original”, que o homem já nasce com saudades de um Pai/Mãe que transcende a biologia, a genética, o parto. Em oposição a essa “orfandade original”, há em nós um profundo anseio por uma “paternidade original”, que se expressa na busca por Deus.
As muitas e variadas experiências religiosas, presentes em todas as culturas, revelam essa busca, esse desejo pela fonte da qual nos desligamos e à qual queremos nos re-ligar. Daí as Religiões...
Pela via da fé, através de textos sagrados, testemunhos, ritos, símbolos e uma mística própria, ligada à cultura de cada povo, de cada tradição, as religiões buscam estabelecer ‘pontes’ que levem o Homem a encontrar sua paternidade/maternidade original.
Em busca dessa riqueza, eu, como cristão, posso até “saber” que tenho o mapa da mina, mas há muito aprendi que não sou dono do tesouro. Deus responde ao desejo humano por muitos caminhos, de muitas formas.
Seguindo as pistas do mapa, tentamos encontrar respostas para perguntas profundas, enigmas que ocupam a mente humana desde o nosso mais primitivo ancestral até o mais tecnológico dos atuais habitantes do planeta: “de onde viemos, quem somos, para onde vamos?”
Dessas, a pergunta mais angustiante é a que diz respeito ao nosso destino. Ao mesmo tempo que celebramos a vida, o Natal, colocamos um ponto de interrogação sobre nosso maior e inevitável limite, a morte. Como, diante de um corpo esvaziado de vida, frio, inerte, vislumbrar um fim que seja apenas o começo? O que fomos, limitado no tempo e no espaço, deseja um ser pleno, na eternidade. O pó de onde viemos, inflado de vida pelo Espírito que sopra onde quer, será a argamassa do que seremos para sempre.
No Natal celebramos o mistério da Encarnação. Tem gente que faz confusão com uma das concepções mais comuns, presente em várias culturas e fundamento de várias interpretações religiosas, a idéia da Reencarnação.
Para quem crê na reencarnação, a vida, ou “as vidas” são como degraus de uma escada para se chegar a Deus. O Homem, pelo seu próprio esforço vai galgando passo a passo, vida após vida, seu caminho para o Paraíso.
Essa concepção tem, inclusive, um lado que justifica e ‘explica’ vários mistérios, como a dor e o sofrimento de tanta gente. Seria uma forma de “pagar” pecados cometidos em outras encarnações. Surge aí, em algumas culturas, a idéia do Karma, ou seja, a visão de que cada pessoa já nasce com uma espécie de destino traçado, objetivando justamente cumprir os passos necessários para o seu aperfeiçoamento.
Um dos problemas para quem acredita nessas idéias é a liberdade humana. Se existe um destino traçado e imutável onde fica a responsabilidade pelos meus atos, se tudo “já estava escrito” (maktub!) antes mesmo que eu nascesse? Para quê esforço e luta por melhorar, mudar, se tudo está previsto e é preciso que aconteça?
A Fé cristã inverte a lógica da reencarnação. Jesus nos revela que a escada não é para o Homem subir até Deus, mas para Deus descer até o Homem.
É o mistério da Encarnação. O mistério do Natal. Deus conosco, na nossa História. O Criador convivendo face a face com sua criatura. O Pai, que na pessoa do Filho nos faz todos irmãos e, pelo Espírito, nos convida à santidade.
O Natal nos revela o quanto Deus nos leva a sério, o quanto nos valoriza e ama, a ponto de assumir a nossa História, a nossa Vida, caminhar conosco, experimentar nossos limites e nos ensinar a rompê-los.
Em Jesus, Deus se faz humano para nos revelar toda a sua divindade. Como disse Fernando Pessoa: “Tão humano assim, só podia ser Deus”.
Celebrar o Natal é valorizar a Pessoa Humana. Deus fez isso ao vestir-se de Tempo, cercar-se de Espaço para “estar no meio de nós”, convidando-nos a mergulhar em sua plenitude.
Esse é o nosso destino.
Natal é Encarnação. Tempo de corpos que falam por gestos e ritos. Abraços e beijos, encontros e toques de ternura. Presentes trocados, carinho compartilhado.
Há um menino entre nós. Há um menino em nós.
Convivendo com Ele, nos outros, nossos irmãos, deixemos que Ele viva conosco e faça a sua História refazendo a nossa, a cada dia, em todo tempo e lugar onde possamos experimentar nossos encontros humanos, onde possamos encarnar no outro e com o outro, nossa sede de afeto, paz, justiça e dignidade.
Para todos.
Eduardo Machado